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terça-feira, 26 de julho de 2011

OS DESAFIOS DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

Os desafios da educação de jovens e adultos
Sérgio Haddad
 Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) estabeleceu algumas medidas vinculadas à Educação de Jovens e Adultos. Entre elas, o redesenho do Programa Brasil Alfabetizado, que a partir de 2007 priorizou os municípios do Nordeste e aqueles com os piores índices de analfabetismo (35% ou mais). Com esse critério, o Programa atenderia 30% da população analfabeta do País e 93% da população analfabeta da região Nordeste.
Interessante que o MEC, no que se refere ao analfabetismo, não abdicou das metas do Plano Nacional de Educação (PNE). No documento de exposição de motivos que acompanhou a reformulação do Brasil Alfabetizado, o ministro Haddad afirmou que as mudanças implementadas visavam atingir os compromissos estabelecidos no PNE, que indicam a superação do analfabetismo até 2011.
O desafio de erradicar o analfabetismo é imenso em um país com tamanha desigualdade social. Muitas pessoas não têm a possibilidade de adquirir a escolarização por não terem as condições sociais para frequentar a escola ou mesmo de se apropriar de seus conteúdos. Ainda assim, muito pode ser feito na direção da constituição desse direito para a maioria da população.
A estratégia de priorizar os municípios do Nordeste com piores índices de analfabetismo pode não dar os melhores resultados por dois motivos: são normalmente os municípios com maior população rural, onde as taxas de analfabetismo estão concentradas entre a população mais velha, que não teve a oportunidade de freqüentar escola por não existir a oferta ou por ser muito escassa nessas regiões. São estas populações aquelas que têm mais dificuldades, ou mesmo menos interesse, em participar das classes de alfabetização.
Em segundo lugar, porque há uma significativa parcela de pessoas analfabetas nos grandes centros urbanos no Sul e no Sudeste, constituída principalmente de jovens, com interesses e necessidades vinculados ao mercado de trabalho que exige tal escolarização. Como resposta a isso, o MEC vem se movimentando para constituir outro conjunto de municípios a ser priorizado, cujo critério de seleção seria o contingente populacional, e não a região de pertencimento. A implementação simultânea desses dois critérios – territorialidade e contingente populacional –, observando as especificidades dos grupos a serem atendidos, pode ser um caminho adequado na garantia do acesso à alfabetização e à elevação da escolaridade.
Estímulo às ações estatais
O conjunto de medidas indicou um estímulo à atuação do Estado nas ações educativas destinadas a pessoas jovens e adultas, e uma redução da histórica atuação da sociedade civil.
Em 2006, estados e municípios receberam 71% do total dos recursos do Brasil Alfabetizado. A meta agora é destinar 80% dos recursos às redes estaduais e municipais de ensino, reduzindo para isso o atendimento feito por organizações não governamentais e universidades. Para tanto, as prefeituras e os governos estaduais terão de definir metas consistentes de alfabetização e continuidade da EJA, por meio de planos plurianuais de alfabetização, que serão revistos anualmente. Também devem apresentar nesses planos, aspectos pedagógicos e de gestão e supervisão. Segundo o MEC, o recurso global do programa passa de R$ 207 milhões, aplicados em 2006, para R$ 315 milhões em 2007.Esse movimento vem ao encontro de uma política que tem sido implementada de forma gradativa nos últimos anos: fazer que os recursos federais passem a apoiar prioritariamente as redes públicas de ensino do que aos parceiros da sociedade civil. Em 2003, 40% dos recursos iam para estados e municípios. Duas motivações podem fundamentar tal ideia. Uma primeira, de natureza conceitual, entende que tal serviço deva ser feito primordialmente pela rede pública, responsável primeira pela universalização do direito à educação. Em segundo lugar, uma resposta às denúncias cada vez mais frequentes de malversação dos recursos públicos por parte de algumas organizações da sociedade civil. Se é verdade que o Estado deve assumir essa responsabilidade de forma prioritária, é verdade também que para certos setores sociais e regiões – como populações indígenas, grupos marginalizados, quilombolas e outros – a presença da sociedade civil pode ser um elemento facilitador de acesso e de aproximação cultural. Também se deve considerar que muitas entidades da sociedade civil são elementos fundamentais de promoção da escolarização e aproximação com a rede pública, exercendo um importante papel no diálogo entre as redes e setores sociais até então marginalizados do seu direito à educação. Tudo isso leva a crer que o diálogo, a parceria e a ação crítica das entidades sociais podem e devem ser considerados componentes centrais nessa dinâmica de promoção da alfabetização. Um outro aspecto a ser verificado é o volume de recursos. Há que se considerar dois fatos importantes na análise do montante a ser investido em EJA: os valores anteriormente aplicados no programa Fazendo Escola, e seu redirecionamento neste ano, e o montante que irá compor o financiamento da EJA no Fundeb. É esta somatória que permitirá avaliar o valor a ser aplicado nessa modalidade de ensino – se maior ou menor.
Outra mudança importante refere-se ao uso dos recursos transferidos a estados, municípios e ao Distrito Federal. Além da utilização na formação de alfabetizadores e coordenadores (de
35% ao máximo de 60%), o que já era previsto nos anos anteriores, a resolução estabelece critérios e limites para a execução do Programa em 2007, permitindo o pagamento de transporte de alfabetizandos (até 20%) e a aquisição de gêneros alimentícios (até 30%), de material escolar (máximo de 5%), material pedagógico (até 15%), material para o alfabetizador (até 3%).
Tais limites podem servir como uma boa orientação, no entanto, ao se enrijecerem podem tornar inadequados os montantes a serem distribuídos para cada item. Um exemplo: em zonas rurais, as despesas com transporte podem ser muito maiores que as de aquisição de gêneros alimentícios.
O valor da bolsa concedida ao alfabetizador também foi alterado. Até então, o pagamento variava conforme o número de alunos matriculados (em 2006, o valor era de R$ 120, acrescidos de R$ 7 por aluno). Para este ano, o valor será fixo (R$ 200 ou R$ 230, quando a turma incluir alunos com necessidades educacionais especiais, atender à população carcerária de jovens em cumprimento de medidas socioeducativas), mas continuará existindo a exigência de um número mínimo de alunos por turma, sendo sete para a zona rural e 14 para a zona urbana. Para os coordenadores o valor será de R$ 300.
Ambas as bolsas serão pagas diretamente pelo MEC. A forma jurídica encontrada para remunerar esses profissionais foi a regulamentação dessa atividade por meio da Medida Provisória 361, de 28 de março, que altera a lei 10.088/04, que criou o Programa Nacional de Transporte Escolar. Essa MP autoriza “a transferência direta de recursos financeiros da União para os alfabetizadores e coordenadores de turmas de alfabetização”.
A decisão é bem-vinda por impedir que o número de alunos por sala de aula seja “inflado” para garantir um salário maior ao monitor – situação verificada nos processos de avaliação do programa. Também a diferenciação salarial de acordo com o atendimento de alunos com situações ou características especiais vai no sentido correto, por constituir-se num esforço de concretização de direitos educativos, considerando especificidades. No entanto, continuam a forma precária de remuneração e os baixos valores ofertados aos monitores.
Apesar do MEC afirmar que a inclusão dos professores da rede nas salas de alfabetização visa também melhorar o nível salarial da categoria, especialmente no Nordeste, secretarias municipais de educação apontam dificuldades para o cumprimento dessa exigência. Quando do anúncio da medida, alguns gestores afirmaram que não haveria profissionais suficientes com turnos disponíveis. Outros apontaram que o valor da bolsa oferecida não seria atrativo. Tais restrições certamente estão baseadas na realidade observada nos municípios. No entanto, não se pode desconsiderar que essa realidade é conseqüência de um processo histórico em que o atendimento a jovens e adultos com baixa escolaridade esteve vinculado à omissão do
Estado, que repassava a responsabilidade, de forma precária, para a sociedade civil.
Se por um lado essa organização permitiu o desenvolvimento de práticas de educação popular, possibilitando interessantes processos de formação para a cidadania e a participação, por outro, também foi incorporada à lógica da distribuição local de recursos públicos, muitas vezes baseada em critérios pouco democráticos, que servem à lógica do clientelismo, característica marcante da política nacional. Assim, pode haver desinteresse também por parte do setor público de cidades pequenas em mobilizar os professores da rede, na medida em que deixarão de entregar
 s bolsas para os antigos monitores, criando insatisfação entre seus eleitores. A realidade é que nesses primeiros meses de vigência das novas regras, o MEC já identifica que os professores das redes públicas não estão se interessando em atuar na alfabetização de adultos. Essa situação carece de investigações, inclusive para se averiguar se as redes municipais de ensino, em geral, e os professores, em particular, foram informados dessa possibilidade.
Conforme apontaram as pesquisas de avaliação do Brasil Alfabetizado, um dos maiores desafios do Programa era justamente a desinformação, por parte das redes de ensino, acerca de sua existência e funcionamento.
Premiação e material de apoio
Outra importante medida anunciada foi a aquisição e distribuição de material didático de
EJA pelo MEC (março de 2008, por intermédio do Programa Nacional do Livro Didático para a Alfabetização de Jovens e Adultos - PNLA).
No campo das premiações, serão oferecidas duas certificações aos municípios que se
destacarem nas ações de alfabetização: “Município Livre do Analfabetismo” (para os que atingirem mais de 97% de alfabetização acima de 15 anos) e “Município Alfabetizador” (para os que reduzirem em pelo menos 50% a taxa de analfabetismo até 2010, com base nos dados do Censo Demográfico do IBGE). Essa certificação, baseada apenas na porcentagem, pode cair no erro de considerar municípios com grandes contingentes populacionais livres do analfabetismo, quando ainda haveria um grande número absoluto de analfabetos. É o caso da cidade de São Paulo, onde 3% da população acima de 15  anos pode significar um contingente muito grande. Ao lado dessa premiação, foram criados dois tipos de certificados para premiar estados e municípios que alcançarem um bom desempenho na educação básica pública, ação que inclui a alfabetização de jovens com mais de 15 anos e adultos. Os certificados se dividem em:
“Ótimo Desenvolvimento Educacional”, para aqueles que tenham Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) igual ou superior a seis; e “Bom Desenvolvimento Educacional”, para estados e municípios com IDEB superior ou igual a cinco e inferior a seis.
Ainda no âmbito do PDE, foi lançado o edital do segundo Concurso Literatura para Todos, destinado a estimular a produção literária de autores que escrevem para jovens e adultos em processo de alfabetização.
Finalmente, o Plano estabelece a distribuição de óculos, em convênio com o Ministério da Saúde, no programa “Olhar Brasil”.
Desafios Este conjunto de iniciativas, de grandezas e naturezas tão diversas entre si, é bastante positivo para fazer avançar a concretização dos direitos educativos de pessoas jovens e adultas. Alguns viabilizam o acesso e a permanência – transporte, merenda e óculos. Outros perseguem melhorar a qualidade da oferta – possibilidade de material de apoio.
O conjunto também é interessante por prever mecanismos de estímulo a estados e municípios
– no campo simbólico do reconhecimento pelas certificações, mas também pelo repasse de recursos vinculados às redes públicas de ensino. Especificamente sobre o financiamento, conforme apontado acima, há que se verificar o impacto do Fundeb na EJA.
Embora o Brasil Alfabetizado tenha sido o destaque no PDE, o conjunto das medidas pode ter um impacto positivo sobre a EJA, considerando que o direito à educação não se resume à alfabetização. No entanto, isso só se concretizará se o MEC e a sociedade civil estiverem atentos e realmente dispostos a buscar formas de superar os históricos desafios do trabalho com jovens e adultos com baixa escolaridade.
O primeiro deles é reconhecer a diversidade desse segmento, o que implica, sem abdicar de orientações gerais que obriguem a responsabilidade do Estado, possibilitar que a EJA possa assumir tantas formas de concretização quanto forem as necessidades e particularidades dos grupos envolvidos.
Sérgio Haddad -  Coordenador geral da Ação Educativa e membro do Conselho Nacional de Alfabetização e Educação de Jovens e Adultos.


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